SHANGRI-LA
(Athos Fernandes - Shangri-La Poesias, 1979)
Eu tentei construir meu castelo de sonhos
na eterna Shangri-La que remoça e conforte,
num reino de esplendor,
onde jamais a dor,
como o corvo de Poe batesse à minha porta!
Eu tentei construir meu castelo dourado
junto de um lago azul, de ondas ternas e mansas,
com cisnes de alvas plumas,
brancos como as espumas,
e a imaculada cor da alma das crianças!
Eu tentei construir o meu lar de poeta
num recanto feliz de uma terra florida,
num país de delícias,
de sonhos e carícias,
onde não morre o amor, eterno como a vida!
Eu tentei construir o meu ninho de artista,
lá bem perto do Céu, na Shangri-La bendita,
onde somente há sonhos,
alegres e risonhos
como o rosto feliz de uma mulher bonita!
Eu tentei construir meu palácio encantado,
numa encosta ideal do País das Quimeras,
onde jamais se morre,
e a vida corre
no mágico esplendor de vinte primaveras!
Tudo, porém, foi em vão! Um sonho, querida,
que a alma me fez sangrar, cheia de desenganos.
Sonho louco de quem,
por muito querer bem
ousa sonhar além dos limites humanos!
Foi um sonho fugaz de errante beduíno,
que a contemplar no Céu a luz da lua cheia,
triste como um dervixe,
entre o fumo do haxixe
vai erguendo no ar seus castelos de areia.
DESEJO INÚTIL
(Athos Fernandes - Shangri-La Poesias, 1979)
Eu sinto às vezes um desejo ardente
de percorrer as ruas da cidade,
e abraçar toda a gente,
num transporte sincero de amizade!
E de estender as minhas mãos cansadas
a todos que encontrar pelo caminho.
Às almas desgraçadas,
e aos que ostentam riqueza ou pergaminho!
E de dizer aos cresos e aos mendigos,
à porta dos palácios e choupanas,
que os quero como amigos
na identidade das paixões humanas!
Mas...quem, deseja as minhas mãos vazias?
Quem as quer estreitar nas suas mãos?
Tão só nas fantasias
ricos e pobres podem ser irmãos.
Num mundo de misérias e temores,
de tão tremendas lutas sociais,
os homens sofredores
como os dedos das mãos, não são iguais!
TEMPO-VIDA
(Athos Fernandes - Shangri-La Poesias, 1979)
Todos nós temos na vida
tempo certo de viver...
E a gente, despercebida,
gasta o tempo sem prever
que toda hora perdida
sem algo de bom fazer,
mais rasa torna a medida
do bem que iremos colher
na hora da despedida,
quando é tempo de morrer!
Toda esperança falida
não torna a enriquecer,
tal como a flor ressequida
não logra reverdecer;
- assim, também, nossa vida
ao que foi não volta a ser.
Mal principia a partida
já se começa a perder.
Contra o tempo, na corrida,
ninguém consegue vencer!
Se a árdua luta intimida,
é bom ninguém se esquecer
que a fé sempre dá guarida
àquele que sabe crer.
Que a virtude apetecida
é ter gana no querer,
é ser forte na descida,
é ser justo no poder.
Quem malversa o Tempo-Vida,
tempo algum merece ter.
ODE AOS OPRIMIDOS
(Athos Fernandes - Shangri-La Poesias, 1979)
Altivo e heróico povo que trabalha!
Carne e sangue da Pátria imensa e forte!
Aço viril de esplêndida fornalha
que vai do sul ao norte!
Tua glória e poder exalto e canto,
num hino de louvor ao teu suplício.
Ninguém já foi maior no desencanto
e nem no sacrifício!
Ninguém sabe melhor, na desventura,
na injustiça feroz, na dura pena,
disfarçar a miséria que tortura
e a mágoa que envenena.
Ninguém melhor que tu, na amarga lida
do estafante labor cotidiano,
sabe sofrer na taça desta vida
o fel do desengano.
Ninguém melhor que tu, povo altaneiro,
para o bem do País e o bem da raça,
tem suportado, estóico e sobranceiro,
o travo da desgraça.
Glória te seja dada, augusto povo!
Descendente dos bravos bandeirantes,
pois soubeste criar do Mundo Novo,
um ninho de gigantes.
Gigantes não apenas na estatura,
na beleza da terra humosa e vasta,
pois na glória maior que se procura
tamanho só não basta.
Se é grande na terra, é grande a sua glória,
sua força e poder e as tradições.
Marco de um ciclo novo para a História,
Shangri-La das nações.
De que vale, porém, tanta riqueza,
se o povo sofre e luta sem justiça?
Se não lhe dão os bens da Natureza
desde a Primeira Missa?
Mas, onde está do povo a liberdade?
Onde o pão que consola e que sustenta?
Entre pregões de amor e de igualdade
só a miséria aumenta!
Na cansativa angústia do trabalho
desse honesto labor que frutifica,
que importa a fome de quem bate o malho,
quando a Nação é rica?
Mas é crime, meu Deus! Crime sem nome,
negar-se o pão a quem semeia o trigo!
Não medra a paz onde viceja a fome
como injusto castigo.
O amor também não cresce entre os abrolhos
das intermináveis lutas sociais.
Quem traz a gula a lhe saltar aos olhos,
sempre e sempre quer mais.
Mas isto é ser cristão? Isto é ser justo?
É ser humano e bom, nobre e clemente?
Quem do pão da pobreza aumenta o custo,
não o é - certamente.
E nem tampouco aquele que enriquece
explorando o suor do proletário,
e que no fausto do Poder se esquece
quando o Destino é vário.
Pois que amanhã - quem sabe as leis do Fado?
- Quem suas loucas tramas desvencilha?
Talvez quem faz o povo desgraçado,
siga na mesma trilha.
A quem das leis humanas desespera,
pela dura opressão de ingrata sina,
resta sempre a esperança mais sincera
na Justiça Divina!