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Van Gogh - SoleisVan Gogh - Soleis

 

PAIXÕES

(Athos Fernandes - Ofir - 1977)

Posto que homem sou, feito de carne e osso,
sou sujeito a paixões como qualquer mortal.
Vibra e palpita em mim, num constante alvoroço,
todo o sensualismo atávico ancestral!

Domino-o porque sei, desde os tempos de moço,
sobrepor às paixões do instinto um nobre ideal.
O beijo que se paga é sempre um beijo insosso,
todo o amor que se compra é sempre amor banal!

Pode rugir feroz a besta dos desejos!
A carne pede a carne, a boca pede beijos,
mas tu, ó alma boa, o corpo me dominas!

A menos que, por fim,vencida te entregares
à sede de prazer que vem dos lupanares
e à fome de amor comprado às messalinas!

SOBRE A SAUDADE

(Athos Fernandes - Shangri-La Poesias - 1979)

Quem sente saudade, sente
pouca esperança também.
Mas como é triste se a gente
nem uma, nem outra, tem.

Sentir saudade é pungente,
ao se esperar quem não vem;
porém, mais sofre o descrente
que nunca espera ninguém!

Assim, no claustro da vida,
o amor nos faz como um monge
que aguarda aluz prometida.

Por que mais vale, por certo,
uma esperança mais longe
que um desengano mais perto.

COLHEITAS DE AMOR
I

(Athos Fernandes - Shangri-La Poesias - 1979)

Tudo era inverno em mim quando chegaste.
O altivo coração, que fora outrora
um Chimborazo ardente de desejos,
enrejelado e inerte - adormecera!...

Não mais cantavam pássaros nos ramos.
E as flores todas dos jardins dos sonhos,
hirtas de frio, a tiritar, jaziam
despetaladas pelo chão de neve.

Tudo era inverno em mim quando chegaste.
Sobre o busto de Palas de minha alma
já o corvo augural pousado estava,

grasnando o “never more” da descrença.
Tudo era inverno em mim quando chegaste,
qual fruto sazonado ao sol do estio!


COLHEITAS DE AMOR
II

(Athos Fernandes - Shangri-La Poesias - 1979)

Vinhas da Canaã dos meus sonhares
para o deserto hostil dos meus desgostos,
trazendo em teu sorriso alegre e franco
o mágico esplendor de vinte auroras.

Como Ruth a Booz então me deste
do teu ardente amor farta colheita.
Da amendoeira em flor sentei-me à sombra
e fui feliz no vale do teu seio!

Deixei as vinhas de Nabot, malditas,
onde a ambição domina e o vício medra,
como o joio floresce nos trigais...

E não mais precisei, por graça tua,
ó doce Sherazade dos meus sonhos,
colher frutos de amor noutras searas!

DIZE-ME ENTÃO...

(Athos Fernandes - Shangri-La Poesias - 1979)

Tu, que não crês no amor, dize-me agora
qual a ilusão que, plácida e risonha,
consola o desespero de quem chora
e inspira o devaneio de quem sonha!

Pediste amor ao pôr do sol e à aurora,
sem ver, na sua súplica tristonha,
que a quem supremo bem do alheio implora,
importa que igual bem sempre reponha.

Procura o teu destino e os teus prazeres,
e saberás que as crenças mais queridas
são fagulhas de Deus na alma dos seres...

E assim verás que o amor nunca encontraste,
porque se o procuravas noutras vidas,
no próprio coração nunca o buscaste!

NUNCA MAIS

(Athos Fernandes - Shangri-La Poesias - 1979)

Viver só por viver, sem escopo, sem mira,
vazio de ideais, indigente de beijos,
imune o coração de afeto e de desejos,
quem há que em tal estado a morte não prefira?

Apátrida do amor, pobre vate sem lira,
nuvem que não tem céu, fonte sem rumorejos,
para que serve a asa a quem não tem adejos,
de que vale a vestal a quem não tem pira?

Eis o que me restou, saudosa amada minha!
Pois que ao partir levaste as ilusões que eu tinha
deixando-me a sofrer tormentos infernais...

E a sentir, como Poe, sobre o busto de Palas,
no silêncio do quarto ou no esplendor das salas,
negro corvo augural grasnando o “Nunca mais!”